sábado, 3 de março de 2018

Amanã ele vai embora


Amanhã ele vai embora.

Amanhã ele vai embora, a mala está fechada, no corredor.

Amanhã ele vai embora e tudo ficará em silencio. O quarto ficará arrumado. As roupas guardadas no armário.

Amanhã ele vai embora. Ninguém mais tomando banho de madrugada, o som alto, voz de barítono acordando a casa.

Amanhã ele vai embora e o leite vai sobrar, a couve amarelar. Acabaram as experiências culinárias que deixavam rastros por toda a cozinha.

Amanhã ele vai embora. O futebol vai sair da televisão. O videogame vai pra caixa.
Amanhã ele vai embora.

Amanhã ele vai embora. A irmã usará o quarto. Diz que o wi-fi é melhor. Não vai ter com quem brigar, nem impicar, nem nada. Acho que vai sobrar pra mim.

Amanhã ele vai embora. O pai vai sentir saudades, calado.

Amanhã ele vai embora. A mãe vai escrever cartas, ficar preocupada, talvez chorar quando falar dele.  

Amanhã ele vai embora. E ele irá, sorrindo.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Um ano diferente


Meu filho vai passar um ano fora, este ano. Isso já torna absolutamente tudo diferente.
O réveillon foi diferente, os dias que ainda tenho com ele aqui são diferentes, toda a minha atenção está voltada para esses últimos momentos antes da sua partida. Eu me vejo contando as horas, inventando desculpas para um abraço, fazendo de tudo para ficar perto dele o máximo possível.  Entre documentos e listas do que levar, tento estar ali, participando de tudo, separando camisetas, comprando o que falta, escrevendo uma longa carta para ser lida no avião.
Na idade dele, fiz o mesmo programa. Confesso que a perspectiva de quem vai é infinitamente melhor da de quem fica. Porém, por conhecer o que espera por ele lá, talvez esteja tão entusiasmada quanto ele para essa aventura.
E olha que fui numa época em que a comunicação com a família se dava por lindas cartas que demoravam mais de uma semana para chegar e telefonemas de 5 minutos aos domingos para aproveitar a tarifa menos exorbitante dos interurbanos nos anos 80. Quando a gente viajava, para ter essa experiência no outro lado do mundo, era realmente a ruptura definitiva daquele cordão umbilical invisível que nos acompanha confortavelmente quando moramos na casa dos nossos pais.
Hoje, com celulares, Facetimes, Whatsapps, e outras modalidades de comunicação instantâneas, o desafio é fazer que ele realmente se separe da vida aqui para aproveitar a experiência de conhecer outras culturas e fazer suas próprias escolhas por lá. Por mais doloroso que seja, vou ter que refrear o impulso de perguntar como ele está todos os dias, vou ter que deixar a coisa vir do lado de lá, por iniciativa dele. Ansiosa, esperarei.
Enquanto estive viajando, meu pai me escreveu uma carta por semana, religiosamente. Minha mãe, a cada 15 dias no máximo, mandava a sua. Eu escrevia bastante também, cheguei a mandar uma fita cassete gravada com as últimas aventuras.
Pensei em repetir o feito, escrever pra ele semanalmente contando o que estarei fazendo, o que acontece na família, se o Coxa ganhou ou perdeu.  Vou me render ao e-mail, afinal o mundo mudou. 

O ano será longo. A casa ficará silenciosa, o quarto arrumado. A saudade vai apertar, se der apareceremos para uma visita. Tudo aqui será igual e mesmo assim, será tudo diferente.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

dois metros e meio

Dois metros e meio, esse parece ser o novo numero mágico da arquitetura. Estive em Londres recentemente e essa era a medida de quase todas as coisas interessantes que vi por lá.
A primeira experiência com essa medida foi o meu quarto de hotel. Fiquei numa cadeia holandesa chamada CitizenM. O conceito são quartos pequenos, altamente tecnológicos e espaços multi coloridos no lobby onde a vida acontece 24 horas e você pode se sentir numa festa badalada. 
Sem brincadeira, o quarto tinha no máximo dois e meio de largura e uns cinco de comprimento.  O lado bom é que a cama ocupava um espaço total de parede a parede no canto do quarto.  Maravilha!
Minha mala teve que ficar no chão mesmo porque a mesa era muito estreita pra ela, mas deu espaço pra tudo. O hotel me fez sentir que estava num misto de episódio do seriado Black Mirror (o segundo da primeira temporada) com Blade Runner (o primeiro).  Check in e out sem recepção, apenas computadores em mesas espalhadas pelo lobby. O quarto todo controlado por um ipad onde você podia abrir e fechar cortinas, acender luzes e tv e até criar moods onde luzes coloridas e musicas obedecem ao seu estado de espírito. Tudo num touch, ou quase, uma vez que meu sistema deu tilt e fiquei completamente sem controle do quarto. Mas no fim eu acabei adorando esse quarto/útero/capsula.
Passeando por Shoreditch, ali pertinho do hotel, me dei com o mesmo conceito, só que na versão shopping. O Boxpark é um popup shopping feito de contêineres onde as lojas também não passam dessa medida de dois metros e meio de largura. Numa quadra cabem 41 operações comerciais no térreo e mais 20 operações de alimentação numa praça no 1º. andar. Só lojas super modernas e antenadas com esses novos tempos.  Show.
Se você pensar que essa medida é mais ou menos a medida de uma garagem para carro, pense em quantos empreendimentos as cidades deixam de ter por priorizar seus espaços para o automóvel.  Cada carro ocupa isso nas cassas das pessoas e ocupa isso novamente no trabalho.
Se as cidades entendessem o que podemos fazer com todo esse espaço que o carro exige, só para ficar parado, fora as ruas, poderíamos transformar radicalmente nossos centros urbanos.
Carro, já diria o meu pai, Jaime Lerner, é o cigarro do futuro. Temos que aprender a viver sem carro, ou melhor, dar um uso mais racional para ele, não sermos mais servos dos possantes. Carro é pra passeio, viagem.  Dentro das cidades: transporte público, pequenos carros compartilhados e bicicletas.

Cada vaga, cada estacionamento tem potencial pra voltar para o cidadão em forma de espaço de qualidade e lazer.  Afinal em dois metros e meio, eu vi, cabe o mundo.

Ruas secretas

Adoro andar por ruas pela primeira vez. Adoro essa sensação de poder descobrir algo novo numa cidade em que vivo há mais de quarenta anos. Dobro a esquina e é um deslumbramento.
Geralmente essas ruas são pequenas, em bairros mais afastados, pelo menos afastados dos meus itinerários.  Algumas são ainda revestidas de antipó, sem calçada, com a grama fazendo o contorno lindo da via. Ruas onde o tempo parece não passar com o mesmo  frenesi do nosso corre corre diário. A grande maioria é residencial, no máximo tem uma vendinha na esquina. O grande comércio e a especulação imobiliária ainda não acharam esses oásis urbanos. As casas, sim casas, têm janelas abertas e se procurarmos bem, achamos lá bolos esfriando. Os muros são baixos, crianças passam em bandos, brincando.  Parece que estamos numa idílica vizinhança dos anos 50.  
Adoro essas ruas que mostram que a gente não esta assim tão distante de um tempo bom. Que toda a modernidade futurista, os prédios de vidro, os tubos dos ônibus, os carros possantes e o caos podem desaparecer virando uma esquina.  Que existe espaço para o humano.
Em Curitiba temos muitas ruas secretas onde os vizinhos conversam no portão, vendedores de sorvete assopram seus apitos e as pessoas voltam pra casa a pé ou de bicicleta. Ruas onde se bate palma no portão, onde se lava o carro na frente de casa, cheias de pipas presas nos fios de luz e cachorros em cada fresta de muro.
Ruas escondidas que revelam um pouco da alma da cidade que passeia graciosamente do moderno ao mais prosaico em menos de um metro. Essa coexistência, essa dualidade me dão o melhor dos dois mundos.

Gosto de ter esse lado, dessa proximidade, dessa mistura, dessa quase esquizofrenia urbana. Gosto de sentir que quanto mais me perco pela cidade, mais a encontro. 

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Guerra e paz


Muito mais de 100 dias se passaram desde a posse do novo prefeito. Pra quem ia dar um choque de gestão, quem ficou chocada fui eu. Até agora não vi nada que tenha me tocado positivamente no comando da cidade. Muito pelo contrário.
Curitiba nunca me foi tão estranha, tão desconhecida, tão distante.
Tempos tristes. Num mar de notícias tão deprimente que sopram do planalto central do país, Curitiba sempre foi Porto Seguro, onde o mínimo de civilidades e respeito ao cidadão ainda acontecia.  Não mais! 
Estamos no mesmo lodaçal. As notícias da cidade são tão desanimadoras quanto às de outra cidade qualquer. Uma pena.
Cidade e cidadãos não caminham mais em sintonia. Das questões mais abrangentes àquelas mais delicadas e particulares. Parecem estranhos, habitantes e a cidade.
 Tudo virou praça de guerra, do projeto orçamentário a uma simples horta comunitária, o diálogo se perdeu. A gritaria é geral e é regra. E nesse barulho ensurdecedor, ninguém se escuta.
Vemos leis sendo ignoradas em casos graves e seguidas à risca em questões ultrapassadas. Se temos um problema urbano, raramente acontece uma solução com as partes interessadas, baixa-se um decreto. Amputa-se o membro, não se trata a doença. 
Não é a toa que os índices de popularidade despencam. Eles refletem uma decepção, uma mágoa, uma tristeza, quando não raiva. 
Espero que quem luta pela cidade resista. E que quem governa abra olhos, ouvidos e o coração. 

sexta-feira, 16 de junho de 2017

A falta que ela não faz

A casa Erbo Stenzel*, no Centro de Criatividade de Curitiba pegou fogo e foi demolida. Quem se importa? Que falta ela fará? Uns poucos quixotes envolvidos na vida cultural da cidade lamentaram a perda da casa emblemática nas redes sociais. Fora isso, o silêncio.

Na Gazeta do Povo, a reportagem sobre o ocorrido nos informa que “a casa foi erguida originalmente em 1928 no bairro São Francisco por Germano Roessler. Transferida para o parque em 1998, estava abandonada e fechada há seis anos. Arquitetonicamente, a casa era um exemplar único, que não se encaixa em nenhuma tipologia conhecida pelos almanaques. A Fundação Cultural de Curitiba (FCC) tinha um projeto de reutilização do espaço, mas nunca houve verba para tocá-lo.” Esse abandono, com certeza foi a causa de sua destruição. 

Mais que uma casa de madeira, a Casa Erbo Stenzel é um reflexo fiel da nossa política cultural: ninguém conhece. Curitiba tem cerca de 60 espaços culturais**, entre teatros, cinemas, casas de leitura e outros espaços onde se fomentam as artes plásticas, a dança, a literatura, a música, o patrimônio cultural e afins. Quantos deles você já visitou? Pelas minhas contas, em toda a minha vida, cheguei à precária marca de 20 espaços, sendo que em muitos deles fui há mais de 30 anos atrás ou apenas uma vez na vida. E olhe que eu vivi a criação de muitos desses espaços. Os conheço, mas não os frequento.

Não tenho referência, não tenho informação, não tenho intimidade com esses espaços. Eles não fazem parte da minha vida social, nem cultural, poderiam bem estar na Islândia. Não temos o costume de fazer localmente o que fazemos em viagens, explorar a cidade culturalmente. Já fui num museu microscópico de Invenções em Barcelona e nunca me dei ao trabalho de conhecer o Centro de Arte Digital.  Acervos à parte, quem sabe uma maior visitação ao MUMA proporcionasse uma programação melhor, ou seria o inverso?

A politica publica de cultura diz muito sobre a cidade que vivemos. Arte, música, patrimônio são tão importantes quanto saúde e educação formal.  Cidades que exploram e oferecem cultura de várias formas aos seus cidadãos são cidades mais seguras, mais eficientes, mais felizes.

É uma pena, e um triste sinal, que só falemos disso em momentos como o cancelamento da Oficina da Música e a demolição de um patrimônio histórico. As manchetes deveriam ser outras.
  
* Descendente de alemães e austríacos, Erbo Stenzel foi artista, tradutor e professor da Escola de Belas Artes e Música do Paraná.

**Confira os espaços Culturais mantidos pela prefeitura aqui: http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/espacos-culturais/

terça-feira, 16 de maio de 2017

Vai de quê?

Estive recentemente na Alemanha, em duas cidades pequenas, Bonn e Koblenz. Em uma semana de viagem usei mais modais de transporte do que em anos no Brasil. Além do avião, obviamente, andei de trem, de bonde, de taxi, de metrô. Não andei de barco, mas tinha essa opção. Não andei de bicicleta porque não sei, mas isso é tema de outra história.
Aí fiquei pensando em como o Brasil perdeu todas as grandes oportunidades de criar uma rede de infraestrutura de transporte de carga e passageiros. Quando era barato, abandonamos os trens. Agora tentamos correr atrás do prejuízo construindo uma malha ferroviária nova, cara, sem aproveitar nossos antigos caminhos, soterrados pelo tempo e pela falta de visão dos nossos governantes. 
Brasileiro chega à Europa e fica completamente encantado com a simplicidade e facilidade de se pegar um trem, É rápido, eficiente, prático demais. Avião pra quê? Você chega cinco minutos antes do embarque e desembarca no centro de qualquer grande cidade europeia de trem. É uma comodidade sem fim.  Chegando ao Brasil, a gente leva uma hora e meia pra sair de Congonhas e chegar ao centro da cidade de SP de táxi, uber, carona, o que for, num gigantesco engarrafamento, por falta de opção. Isso sem falar no deslocamento entre cidades relativamente próximas. 
Dentro da cidade, a mesma coisa. Cidades espertas entenderam que os modais não precisam competir entre si e sim a confluência deles é que promovem a mobilidade adequada. Se a cidade tinha trilhos de bondes antigos, modernizam seus bondes. Dedicam linhas exclusivas aos ônibus, se possível implantando todo o sistema do BRT (nosso, aliás). Estimulam o uso da bicicleta, tanto na rua quanto nos meios de transporte de larga escala. A pessoa que mora longe vai de bike até o metrô, literalmente, até dentro do metrô, onde finaliza sua rota. Tudo interligado, um sistema favorece o outro. Os modais se somam, simples assim.
E tem os barcos. Perdi a conta todas as vezes que tentava somar a quantidade de cargueiros no rio Reno por minuto. Era contêiner, carvão, combustível, carros, alimentos, todos flutuando suavemente nas águas do rio. Pista dupla, trânsito zero. Lindo de ver. E mesmo sem pesquisar, acredito que mais barato do que o transporte por terra, pois estive na estrada e não tenho a memória de ver um caminhão na minha frente.
Enfim, gostei da Alemanha. Além do schnitzel e da cerveja. Porém, ver um pais que se respeita, que investe em coisas básicas, que funciona foi uma sensação agridoce, Foi ver o que a gente poderia ser se houvesse um mínimo de planejamento. A obra do trem pra Congonhas, prometido pra Copa, mostra seu esqueleto pra todos nós, como um escárnio. A péssima conservação das nossas estradas, que mata mais que qualquer guerra é criminal. Os ônibus lotados e os engarrafamentos quilométricos das grandes cidades são um prejuízo financeiro pras cidades e pra qualidade de vida das pessoas. 
Ai ai, do exemplo da Alemanha aqui em terra brasilis só nos resta tomar muita cerveja....